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19 de Abril de 2024

Em 1967, FGTS substituiu estabilidade no emprego

Publicado por Senado
há 7 anos

Em 1967 FGTS substituiu estabilidade no emprego

Nos 21 anos da ditadura iniciada em 1964, uma série de siglas passou a fazer parte do cotidiano do brasileiro: Mobral, Arena, MDB, SNI, INPS e muitas outras. Uma delas, que completa 50 anos em 2017, continua a influenciar a vida de milhões de trabalhadores: FGTS.

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço entrou em vigor em 1º de janeiro de 1967 e tem sido um dos principais temas do noticiário nos últimos meses devido à decisão do governo de liberar o saque das contas inativas (sem depósitos há mais de três anos).

O FGTS foi concebido em 1966 pelo ministro do Planejamento do governo do marechal Castello Branco, Roberto Campos. O objetivo era duplo: facilitar a demissão de trabalhadores e financiar a construção de imóveis.

Para criar o fundo, foi necessário tornar letra morta dois artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): o que previa ao funcionário indenização de um mês de salário por ano trabalhado, em caso de demissão imotivada, e o que assegurava estabilidade no emprego ao trabalhador do setor privado que completasse dez anos na mesma empresa.

Escolha ilusória

Os dois direitos trabalhistas foram substituídos pelo FGTS. As empresas passaram a depositar 8% do salário dos funcionários numa conta individual. Em caso de demissão imotivada, o trabalhador poderia resgatar o dinheiro. Também seria possível fazer o saque para comprar a casa própria, por meio do Banco Nacional da Habitação. O BNH tornou-se o gestor do saldo acumulado de milhões de contas, usado no financiamento da construção de imóveis.

A proposta de criação do FGTS (Projeto de Lei 10/1966), enviada pela Presidência ao Congresso, previa que os novos contratados poderiam optar entre a estabilidade e o Fundo de Garantia. Na prática, porém, as empresas só aceitaram contratar os que abriram mão da estabilidade.

— Essa escolha será ilusória — argumentou o deputado Franco Montoro (MDB-SP) em agosto de 1966, numa sessão que discutiu o projeto. — A empresa escolherá aqueles que adotarem o sistema desejado pela empresa. A livre escolha não é do empregado, mas sim da empresa.

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Para convencer a opinião pública de que trocar a estabilidade pelo FGTS era uma boa ideia, o governo usou vários argumentos. Campos alegava que o fundo daria “estabilidade real” ao trabalhador, uma vez que poucos atingiam dez anos na mesma empresa — muitos eram demitidos justamente para não alcançar o direito. Calculava-se que menos de 20% dos empregados eram estáveis.

Um anúncio da ditadura publicado nos jornais tratava a estabilidade como problema e o FGTS como solução: “Não há mais o fantasma da estabilidade, que aparentemente beneficiava [o trabalhador], mas que na maioria dos casos era o responsável pelo corte de muitas carreiras de futuro logo no começo”.

Apesar dos poderes de ditador, Castello não conseguiu aprovar o FGTS no Congresso. Em 1966, dois anos após o golpe, a ditadura ainda tentava manter uma aparência de democracia. Mesmo manietado por cassações e por dois atos institucionais que lhe suprimiram poderes, o Congresso não se curvou a Castello. Muitos deputados e senadores temiam desagradar aos eleitores se votassem pelo fim da estabilidade, um dos pilares da CLT.

Os parlamentares do MDB, partido da “oposição consentida”, fizeram obstrução — contando com o apoio velado de parlamentares da Arena, o partido governista — até que o Parlamento entrasse em recesso.

Na sessão de 24 de agosto de 1966, que se estendeu até as primeiras horas da manhã seguinte, o senador Aurélio Viana (MDB-Guanabara), foi à tribuna atacar o projeto. Para ele, o ministro Roberto Campos queria agradar ao capital internacional, que exigia, segundo ele, o fim da estabilidade como condição para investir no Brasil:

— É público e notório que o senhor ministro do Planejamento vem defendendo essa tese que interessa aos grupos estrangeiros no sentido de extinguir o cerne da legislação social do Brasil, que é o instituto da estabilidade — disse ele, de acordo com documentos históricos guardados no Arquivo do Senado.

AI-2

Para Montoro, ao acabar com a estabilidade, o Brasil violaria um acordo internacional firmado em 1948 na Conferência Interamericana de Bogotá, por meio do qual os países do continente se comprometeram a “assegurar a permanência do assalariado no emprego, afastando o risco da despedida sem justa causa”.

— Se a estabilidade tem defeitos, e nós os reconhecemos, devem ser corrigidos, mas não ser eliminada a estabilidade — argumentou.

No dia seguinte, o senador Josafá Marinho (MDB-BA) tachou o projeto de “injurídico, inconstitucional e ilegal” e anunciou que tentaria invalidá-lo no Supremo Tribunal Federal. Para ele, era ilegal propor ao trabalhador a opção de abrir mão de direito:

— Não pode a lei ordinária, hierarquicamente subordinada à Constituição, permitir simples opção, pois esta anula o caráter de obrigatoriedade das garantias, importando, na prática, em supressão de uma delas.

O presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade (Arena-SP), abriu a votação: 100 deputados votaram sim, 40 votaram não e 2 se abstiveram. A votação, porém, não valeu, pois era necessária a presença de ao menos 203 deputados. Os senadores nem chegaram a votar.

Para aprovar o FGTS, Castello se valeu do Ato Institucional 2 (AI-2), de 1965, que previa a promulgação automática de projetos da Presidência que não fossem votados em 30 dias. O FGTS tornou-se a Lei 5.107, promulgada em 13 de setembro de 1966. Em 1970, estimava-se que 70% dos trabalhadores haviam aderido ao fundo.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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14 Comentários

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O FGTS é um valor que "rende" nos bancos metade do valor da poupança, ou seja, é corroído pela inflação e portanto uma mera ilusão de direito.
Fossem os valores descontados do trabalhador a este entregues, poderia ter feito bom uso imediato deste ou uma aplicação real que em vários anos daria sim uma reserva digna em relação ao tempo trabalhado.

O grande beneficiado são os empreiteiros da construção civil, que ao invés de financiar as construções com sua fortuna pessoal, podem mandar seu dinheiro render nas aplicações reais ou para o exterior, sendo financiados pelo dinheiro usurpado do trabalhador.

Não sou contra a construção civil e nem contra o capitalismo. O que abomino é no século XXI tratar o trabalhador como civilmente incapaz e o obrigar a ter parte de sua renda corroída em benefício de outros. continuar lendo

A - ainda - existência do FGTS é a maior prova de como o brasileiro ainda precisa muito estudar e entender a usar o próprio dinheiro. É inadmissível saber que a renda do seu trabalho está engessada, nas mãos de bancos (pouco importa se estatais ou não), perdendo poder de compra ano após ano.

No Brasil o povo é tratado como criança e parece gostar disso... continuar lendo

Meu caro Norberto, o valor depositado mensalmente do FGTS não é e nunca foi DESCONTADO DO TRABALHADOR. É apenas mais uma porcentagem (8%), com base no salário do funcionário, que o empregador deposita a mais em conta específica, de acordo com a legislação, em favor do empregado.
Do empregado é descontada apenas a porcentagem apropriada de INSS, que varia entre 8, 9 ou 11% (de acordo com a remuneração, e com teto de 5.531,31 reais, ou seja, R$ 608,44 no máximo). E o empregador paga SEMPRE 20% de INSS sobre a remuneração, sem teto!
Portanto, a injustiça é sobre o pequeno empresário, que fica carregado de onerações e tributos. continuar lendo

@raquelmiss
Obrigado por me corrigir.
Como o FGTS é destinado ao trabalhador, eu entendo como este dinheiro ser mau aplicado em prejuízo deste, obviamente também é um prejuízo ao empregador.
Infelizmente os direitos trabalhistas aqui mais afastam o emprego do que protegem o trabalhador, são ambos vítimas de um pensamento arcaico no século XXI, continuar lendo

O mote do artigo é mais uma vez demonizar a "cruel ditadura militar". A mesma que tirou o país das mãos da ditadura (verdadeira) do partido único (comunista) que já se arvorava dona do Brasil ("Já temos o Governo, só nos falta o poder." , disse o imprudente Luis Carlos Prestes a seus mentores em Moscou.) E de quebra, encontrar um bode expiatório para o assalto ao FGTS.

O FGTS foi a maneira de atrair o capital internacional para gerar empregos no Brasil. A estabilidade afastava, da maneira como era aplicada, as empresas de grande porte. No artigo , o próprio Franco Montoro, ícone da oposição, admite que o instituto da estabilidade possuía defeitos.

Também não querem dizer a verdade. Que ditadura boba é essa, que em 21 anos de Governos Militares, só fechou o Congresso Nacional por 10 meses e meio? Em 1965 Castelo Branco, para calar os verdadeiros golpistas, a serviço de URSS e Cuba, e implementar a limpeza necessária dos infiltrados, baixou os AI-1 e AI-2. Por dez meses! Depois, em 1977, Geisel fechou o parlamento por duas semanas. Não mais. E de 1966 e 1980, havia dois partidos bem estratificados: ARENA e MDB. Bipartidarismo.Que ditadura permite partidos de oposição? Ditadura é em Cuba, que sempre teve apenas o partido comunista

O que não contam é que sucessivos governos "democráticos" meteram a mão para valer nos recursos do FGTS. Nos últimos 14 ANOS então... continuar lendo

No momento em que certos ministros do STF colocam as manguinhas de fora,mostrando a sua maneira de agradecer a indicação para a Suprema corte, tentam de todas as maneiras desacreditar a instituição com maior indice de aprovação; as Forças armadas.Pena que hoje não tenhamos generais com força interior suficiente para acabar com essa farra do dinheiro público.José Dirceu vai para casa, já o ex-goleiro Bruno volta à cadeia.Ambos sem ter condenação em 2ª instância, "pode isso Arnaldo? Diria Galvão Bueno.O que vale para uns não vale para outros?O fato é que o STF virou a casa de alguns apenas. continuar lendo

... um regime que mata, tortura, encarcera e empobrece seus cidadãos descaradamente como foir esse não deve ser jamais defendido! continuar lendo

“O FGTS tornou-se a Lei 5.107, promulgada em 13 de setembro de 1966. Em 1970, estimava-se que 70% dos trabalhadores haviam aderido ao fundo”. Isso porque, para ser admitido o patrão impunha que aderissem contratualmente. Mas precisamos tomar muito cuidado com esses projetos que visam mudar Leis por serem muito antigas porque se a CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943)é muito antiga e inadequada para os empresários e ainda inviabiliza investimentos no Brasil, a Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353, sancionada em 13 de maio de 1888)é bem mais antiga e antes dela, os patrões (senhores) podiam compensar seus trabalhadores (escravos) com as rações que alimentavam seus animais, principalmente com as lavagens servidas aos porcos. continuar lendo

Sobre o FGTS, o colega Noberto M. Koch, entende que se os valores descontados do trabador fossem a ele entreguem, poderia fazer deles bom uso imediato.
Porém, o FGTS não é descontado do salário trabalhador. Ele é um ônus direto do empregador sobre a folha de pagamento (8% sobre o salário pago).
Na verdade, indiretamente influencia negativamente o nível salarial, uma vez que o empregador enxerga o custo de um empregado pelo total que terá de desembolsar para contratá-lo, aí incluído INSS patronal, conribuições ao Sistema S, FGTS, férias, 13o salário, etc. continuar lendo

Adilson:
Seu argumento não invalida a tese de Norberto M. Koch.
Ao contrário, incluístes outros custos que a apoiam.
Saudações. continuar lendo